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Conto: Aprendendo a Viver

Mil vezes me sentei e abri o Word. Mil vezes me vi à espera da tal inspiração que todos diziam, mas nada que prestasse, de fato, saía de minha mente.
Mil vezes fechei a página do Word completamente frustrada.
Na vez 1001 eu consegui.
Consegui nada mais que um texto sentimental sobre como eu estava transtornada.
 A culpa de tudo isso, era dele. Daquele rapaz que se mudou para minha rua e comprou um cachorro-quente no mesmo dia que eu. É claro que ele não era nada diferente dos outros. Usava óculos pois era míope, vestia jeans rasgado, camisa da banda Queen e um cachecol da John John. Foi por culpa desse deus grego, – miserável, que roubou meu coração, uma mera mortal – que eu abri a página do Word em tantas madrugadas. Seus olhos eram escuros, a pele branca e os cabelos castanhos. Tão forte que poderia segurar o peso do céu em seus ombros, como Atlas. Tão quente que poderia roubar o posto de Apolo. Mas eu era muito pouco para ele.
Pelo que parece, outras mortais logo tomaram meu lugar. Canalha. Cafajeste. Todos os insultos que usei contra ele quando fui abandonada de nada serviram. Ou melhor, serviram para me trazer até aqui. Nessa madrugada chuvosa, com esse chá de erva-doce quente jazendo no criado-mudo ao meu lado, vestida com moletom folgado, com o notebook sobre o colo.
    Antes dele eu era outra. Eu nem acreditava em amor. Achava que afeição era o máximo que alguém poderia sentir pelo próximo. Aos vinte e seis anos a minha visão é outra. Sou órfã desde que nasci. Segundo as freiras, eu tive uma mãe maravilhosa. Ela morreu no meu parto, e meu pai era um imbecil que a abandonou. Minha mãe perdeu os pais em um acidente de carro cinco anos antes e era filha única. Assim como seus pais.
     Eu não tinha ninguém, e cresci esperando ser adotada, contudo nunca aconteceu. Aos dezoito anos fui expulsa de lá, sem nem ter pra onde ir. Tive que me virar sozinha. Dormi duas ou três noites na rua. Passei fome, mas conheci uma garota chamada Phoebe. Ela tinha família e era bem humilde. Me deu refúgio e eu trabalhei como garçonete, então lhe oferecia uma quantia para ajudar nas despesas que eu dava. Fiz uma prova de concurso e consegui uma faculdade.
    Trabalhei das cinco e meia da manhã às três da tarde. Pegava um ônibus para casa e em seguida ia para a faculdade, a aula começava às dezessete horas. Essa rotina puxada me destruía aos poucos, mas suportei, eu precisava. A tortura terminou depois de um ano, quando consegui um estágio de técnica em enfermagem. O dinheiro era bem pouco, mas sempre dei meu jeito.
    Outro ano se passou e aluguei um apartamento pequeno. Pouca mobília, mas sempre tinha comida, mesmo que pouca, então eu sobrevivia. Aos vinte e quatro anos eu o conheci. Ainda fazia minha faculdade de enfermagem, mas já me estabilizara.
     Ele apareceu como uma nuvem negra num dia ensolarado. Eu sempre gostei de dias chuvosos porque eles custam a surgir na minha terra. Mal sabia eu que aquele nevoeiro demoraria de partir, e deixaria a cidade cinzenta e triste. E agora, eu sinto saudades do sol.
     Nos conhecemos num pequeno acidente daquele maldito funcionário da barraquinha de cachorro-quente que ficava na esquina. Ele embaralhou nossos trocos e ambos reclamamos. Enquanto o rapaz recebia uma bronca, ele fez um comentário sobre a beleza dos meus coturnos. Eu sorri, encabulada, pois ele era bonito demais para me elogiar. Ganhei meu dia, é lógico, como a moça ingênua que eu era, e lanchamos juntos. Ele me contou que era colombiano e que havia acabado de se mudar, e eu disse-lhe um pouquinho sobre mim.  Aproveitamos o momento para trocarmos nossos números de contato. Não muito tempo depois ele me convidou para ir ao cinema, quando ficamos a primeira vez, e eu me apaixonei por ele.
Saímos cinco, dez, vinte vezes antes de oficializarmos nosso namoro. Quando tudo estava perfeito ele veio morar comigo. Compramos um gato, Ryle, e ele mudou de emprego. Brigamos algumas vezes porque ele flertava com minha melhor amiga, Phoebe, e chegamos a dar um tempo. Mas voltamos. Estávamos bem, iríamos fazer um ano de namoro e eu juntei dinheiro para comprar um disco original da banda Queen para ele. Corri para a editora de livros que ele trabalhava e pedi para vê-lo. Eles não permitiram e voltei para meu apartamento.
Ansiosa como sou, resolvi ir ver Phoebe para passar o tempo.
Foi quando os avistei num beijo longo e intenso. Minha reação seria outra hoje. Mas no dia chorei e bati nele. Berrei que os odiava e xinguei-o em altos brados para quem quisesse ouvir. Fomos para casa e arranquei todas as suas roupas do meu armário e lancei-as no chão a sua frente.
 Ele riu de mim e disse que já tinha tirado de nosso lar a maior parte porque já estava indo embora mesmo, e iria levar Phoebe consigo. Fez as malas enquanto eu chorava e foi embora.
No dia seguinte marquei uma consulta com uma psicóloga porque não tinha com quem conversar. Tive medo de confiar em outro homem ou em outra “amiga”. Me fechei. Foi quando ela me mandou escrever meus sentimentos, para desabafar e tirar o peso dos ombros.
 E eu cheguei até aqui.
Olhando mil vezes para a página branca do Word, vendo a barra piscar.
Sozinha nessa cidade grande e tumultuada. Mudei de hospital, aluguei um novo apartamento bem distante do anterior, mas não me desfiz de meu gatinho Ryle. Tenho planos para num futuro distante adotar um menininho e chamá-lo de Luigi. Consegui uma vaga numa faculdade de medicina e realizarei meu sonho em breve, com fé em Deus.
 Ainda trabalhando como enfermeira, vagando pelos corredores do hospital e conhecendo vidas. Trilhando o meu próprio caminho, e me esquecendo daquele infeliz. Sem esperança de voltar a amar alguém um dia. Mas num descaso qualquer, esbarrei-me num rapaz de cabelos loiros no corredor da ala pediátrica. Desculpei-me e levei sua irmãzinha para um quarto. Ele parecia abatido e recomendei um café. Sem hesitar, aceitou e logo pediu meu número de contato.
Saímos uma, dez, quinze vezes.
E estou apaixonada por ele.

Comentários

  1. Conto lindo e com final surpreendente! Adorei e já virei fã :*

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  2. Que ótimo, e obrigada! Logo farei outros <3

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  3. Escreve bem, parabéns =)

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  4. passei aqui pra retribuir a visitinha haha... Caramba, vc escreve muito bem, e esse nome, 101 livros, promete hein? haushaus parabéns pelo blog e boa sorte ;*

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  5. Amei seu blog,muito fofo,e você escreve muito bem.Parabéns pelo trabalho!

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  6. Amei o conto,você escreve muito bem,envolve o leitor. Já vou até acompanhar o blog

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  7. Obrigada! Que ótimo, volte mesmo haha <3

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  8. Nossa, como você escreve bem ! Adorei o teu blog =*****

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